Rudeza vivia numa grande cidade. A maior, a mais bonita, mais agitada, mais populosa etc. e tal. Ela até gostava de morar ali, mas às vezes pensava se gostava por hábito simplesmente. Afinal, só conhecia este lugar desde que nasceu. E a cidade sempre foi assim, populosa, grande, prédios altos, tanto quanto Rudeza se lembra. Porém, raros os momentos em que Rudeza prestava atenção à bela cidade ao seu redor. O motivo era bastante comum: trabalhava demais. Eis o grande problema de todo cidadão [e toda cidadã!] das grandes cidades do mundo: o excesso de trabalho.
Trabalhar é bom, não só pelo salário que se recebe pelo que se faz [há aqueles que nem isso!], mas o “fazer”, a tarefa diária [ou não, depende do tipo de trabalho que se realiza!], o ocupar-se de algo, isso é bom e por isso Rudeza trabalhava. Ela não sabia o que era viver sem trabalhar, e talvez por isso o fizesse demasiadamente. Quando nos parcos momentos em que olhava sua história não se lembrava de nenhum momento de puro ócio. O trabalho era sua vida, sua vida não existia sem o trabalho.
De tanto trabalhar, até mesmo esta questão – antes inquestionável – se coloca à sua frente. O tipo de trabalho era ruim, o salário pior e tudo que remetesse a ele só deixavam o temperamento de Rudeza ainda mais desgastado. Já pela manhã encontrava com o síndico do prédio, sr. Mau Humor. Rudeza caminhava um pouco, com as pessoas sempre esbarrando nela e sem nunca se desculparem por isso. Bem, se não havia remédio para o tédio, aliás seu nome Rudeza e não Depressão, ela subia no ônibus em direção ao trabalho e pensava que todas as pessoas no mundo, talvez nem todas, só as da cidade, eram como aquele motorista que fazia o mesmo trajeto e as mesmas barbaridades todos os dias: estúpidas!
O que resta a Rudeza neste mundo de gente estúpida? Ela não gostava de se perguntar essas coisas pois logo se irritava. Então deixava toda lógica e toda física de lado, recolhia-se e empurrava as pessoas que resmungavam e se espremiam dentro do mesmo ônibus. Eles nunca ouviram que “dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço”? Rudeza também não, mas as coisas que lhe passavam pela cabeça certamente eram parecidas com isso, noutras formulações.
Enfim chegava ao trabalho e nele encontrava as pessoas, o escritório, os papéis para assinar, o cubículo que era sua sala, os computadores e, outra vez, as pessoas. O que poderia irritar mais Rudeza: um computador que não funciona ou uma pessoa que pensa que funciona? Nem mesmo Rudeza sabia. Infelizmente ela não podia ignorar seus “companheiros” de trabalho, eram seus subordinados.
E assim seguiam os dias de trabalho de Rudeza. Mais cafezinho, mais engarrafamento, mais pessoas com assuntos irrelevantes, ônibus lotado, idas e vindas de casa para o trabalho. E ainda todo aquele trabalho para fazer em casa. Todos os dias as mesmas coisas, as mesmas pessoas. O tempo corria, e Rudeza só pensava como ele custava a passar. Os meses e os dias caminhavam como sempre e Rudeza continuava a viver no seu modo singular de responder às pessoas: sorriso irônico, uma frase mordaz [quando não um empurrão]. Até que um dia, já bem velha com a mesma impaciência de sempre, subiu num ônibus para ir a um lugar qualquer, o motorista fez uma curva em alta velocidade, Rudeza caiu e pensou que todas as pessoas no mundo eram como aquele motorista: estúpidas!