sexta-feira, 15 de junho de 2012

Dentro da caixa


Foi a primeira dose. Fugi dela o quanto pude. Fugia de mim mesmo na direção de monstros perdidos na minha cabeça. Fugia deles. Esbarrei naquela esquina com alegrias, choros e efemeridades. Subo as escadas, encontro a diversão.

Uma partida de sinuca. Nem mesmo me dou conta do quanto já perdi esta noite. Não importa, me faz bem, me faz esquecer. E esquecer por instantes ainda me faz bem. É como se eu dormisse e meu corpo não sentisse. Mas a noite acaba, e a sinuca também. Volto sozinho, embriagado e feliz. Feliz por esquecer, feliz por ter sido esquecido. Só o tempo não se ausenta de mim. Talvez por isso eu continue.

Seguir em frente? Não. Isso não é para mim. Continuar não é o mesmo que ir adiante. Continuar é ser deixado à vida, ser levado pelas ondas, voar com a tempestade. A noite acabou. A sinuca também. Perdi. Tudo passou e em mim não resta nada. Só uma caixa vazia. Tudo foi levado, só ficou uma caixa.

A caixa não é importante. Nem eu, nem ela. E o que há nela? Nada, está vazia. Está parada. Então por quê deixá-la? Para que, finalmente, me importe com algo. Mas, talvez não esteja vazia. Não foi aberta. Não pode ser aberta. Entregaram a caixa aqui, com meu nome. É para mim. Há tempos está ali parada. Lembraram-se de mim. Mas quem? Lembrou-se de enviar algo para um solitário.

Agora não sou mais um solitário. Somos eu e a caixa. A caixa é meu Wilson.

Aos poucos, com poucas doses diárias, me sinto anestesiado. É bom, acho.não sinto nada: dor ou amor, calor ou frio, alegria ou tristeza. E como pode isso, Wilson? “Não pode, está errado” responde meu alter ego. Não posso, isso está errado. É quando Wilson se mexe violentamente, vem em minha direção como se tivesse sido arremessada. Para me atacar, me ferir. Mas some, na escuridão.

A luz foi cortada. Não encontro nada nessa escuridão. Mas sei da caixa. Ela está lá, em algum lugar. Ouço seus passos pela casa, atrás de mim, mas não a vejo. Quando chega o dia e um pouco de luz entra pela janela, vejo a caixa, imóvel, lacrada. Pisco os olhos, a caixa some.

Foto: Elaine Pinto