No primeiro dia surgiu num quintal uma abelha. Ela logo foi
embora, pois não encontrou ali nenhum abrigo. Sem chão, sem árvores, sem
flores, sem vida. Tudo era cimento. Como a tal abelha chegou até ali? Talvez
estivesse perdida. Talvez alguém lhe tenha dado a indicação errada e ela foi
parar longe, bem longe de casa. Não encontrando o que procurava, a abelha foi
embora e não pretendia voltar aquele lugar sem vida, puro cinza.
A natureza criou as abelhas como seres muito curiosos e apesar
de não desejar voltar àquele lugar tão cinzento, inabitado, a abelha não se
conformou em ir embora sem saber porque o quintal era daquele jeito. Ela ficou
intrigada com o lugar onde nada havia, e mesmo um pouco assustada, pensou que
pudesse voltar lá mais uma vez.
Ela continuou seu caminho.
Com o espírito curioso, que talvez só as abelhas tenham, retornou ao quintal cimentado. E retornou outra vez alguns dias depois.
Uma observação se faz importante: a tal abelha não sabia que se
tratava de um quintal, pensava que outro país, outra cultura diferente da sua.
Quando voltou lá, repleta de esperança – outra
característica das abelhas –, percebeu que nada tinha mudado. E ficou ainda
mais intrigada, pois tudo no mundo muda o tempo inteiro. E pensou como poderia
um lugar ficar tanto tempo sem vida?
Olhando ao redor, ao longo da rua, a abelha percebeu (não
muito distante do quintal cimentado) alguns pássaros de olhos grandes – o que a
deixou assustada – mas pensou que devia ser mesmo da espécie dos pássaros de
olhos grandes.
Perguntou aos pássaros porque o quintal era daquele jeito.
Espantosamente eles foram gentis com a abelha, mas falavam uma língua diferente,
e lhe alertaram para não voltar lá pois era perigoso.
“Ora, isso deve ser
ciúme!”, pensou a abelha decidida.
Ela desconsiderou os avisos e passou a visitar o quintal no
quinto e no sexto dia, no sétimo e assim por diante. Apesar de não encontrar as
flores, a terra, o ar fresco, ou insetos, a abelha acabou por se acostumar
àquela paisagem antinatural.
Com o tempo percebia pequenos e grandes novos
elementos no quintal, explorava as partes que cercavam-no até que certo dia
encontrou algo que chamamos de janela. Ela olhou, girou, bateu e caiu. Ninguém
atendeu.
A partir dessa incrível descoberta a janela tornou o mundo
mais claro e belo para a abelha, uma nova perspectiva na vida. A janela
destoava de todo o resto do quintal e fazia a abelha se sentir mais à vontade.
No último dia, a abelha estava girando em volta da janela,
esbarrou nela sem querer e não havia mais a parede invisível, ela caiu do outro
lado. (Isso aconteceu quando ela já havia perdido as esperanças de passar por
aquele bloqueio).
Mais uma aventura.
Levantou-se. Estava dentro de alguma bolha. Silêncio absoluto. De repente um
golpe. Um golpe tão forte que a derrubou e ela não mais levantou. Lembrou-se
dos pássaros de olhos grandes. Sem sentidos.