sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Fim de Jogo


Como disse Susana uma vez “não vejo a hora de 21-12-2012 chegar...” e ela disse não pensando no fim do mundo anunciado pelos Maias, mas por outras razões, as mesmas que as de Rebeca. Essa data parecia tão longe. O tempo passa, passa e nunca de chegar o fatídico dia do fim dos tempos. 

Há gente que não acredita nisso, há quem acredite, e muitas interpretações surgem para a profecia. Uma delas, bem do agrado de Rebeca era de que um novo tempo estava para surgir. Mas, como muitas das conjeturas para o futuro, não se podia dizer se o porvir seria bom ou mau. Somente quando esse “novo tempo” surgisse é que se poderia verificar. E era nisso que Rebeca acreditava, num novo tempo que com seus planos seria certamente um tempo melhor. Mas em seguida pensava “e se o mundo acabar mesmo, com uma grande explosão, de que vão servir todos esses planos?”, e Rebeca voltava a se recolher com seus projetos e lágrimas, entre os cobertores.

O tempo corria, corria, e nada do fim do mundo. Os sinais apareciam por todos os lados. As mudanças no clima, nas ideias, nos pseudo-sentimentos de Rebeca. Às vezes ela até se esquecia de que algo grandioso poderia estar prestes a acontecer. Quando se lembrava disso, pensava no que ficaria para trás, se teria lembranças do que já passou. Acreditava realmente na grande explosão.

E assim seguia em frente.

Porém o ânimo, a alma, não é uma qualidade forte em Rebeca. E isso para ela era uma contradição. Quando pensava na sua falta de ânimo para viver, a vida ordinária, pensava no seu nome: Rebeca Monteiro. É um nome imponente. Um nome que ressoa, que reverbera entre as paredes do banheiro quando cantada. Um nome que não condizia com aquela figura magra, de cabelos pretos, lisos, compridos, de ombros encolhidos, sorriso tímido, palavras fechadas... Rebeca era mulher sem charme, sem volúpia e vez ou outra até sentia falta disso. Sentia falta das paixões que nunca conseguiu provocar, sentia falta da intensidade por amar, sentia falta de tesão no trabalho. Esse, o trabalho era uma atividade burocrática que Rebeca Monteiro realizava todos os dias das oito da manhã às cinco da tarde e era bem de acordo com sua imagem, de uma personalidade igualmente burocrática e morna. Quando chegasse o dia vinte e um de dezembro Rebeca já tinha planos. Não iria abandonar o emprego, certamente, mas faria algo diferente, algo intenso. Algo que mexesse com as emoções adormecidas desde sempre. Emoções, Rebeca até chegou a esquecer o que era isso. Por vezes se achava incapaz de sentir qualquer coisa. Não que não sentisse compaixão pelo próximo, pelos meninos que vendem doces nos sinais de trânsito, ou os velhinhos que são jogados ao chão pela velocidade com que os motoristas de ônibus dirigem. Esse tipo de “emoção” ela sentia, mas já eram coisas tão banais que Rebeca percebeu que passaram a fazer parte do ritual burocrático-administrativo vivido por ela todos os dias. A ideia de sentir seu corpo se arrepiar pela incerteza de uma promessa, ou de um olhar devorador de um estranho lhe faziam acreditar que havia uma identidade escondida de “Rebeca”. 

Ela não queria apenas esse tipo de emoção, não queria a compaixão, nem a sua nem a de outros. Ela queria ser capaz de levar um homem à loucura, ter o simples prazer de desprezar um canalha, andar na rua e ouvir um assobio vindo de uma construção. E pensava “no fundo, sou uma mulher simples”. Simples demais. Tão simples que não percebia a insanidade de se desejar tais coisas, que não percebia que sua busca era para além do desejo. Era uma descoberta.

Rebeca nunca tinha se dado conta de como sua existência andava a passos lentos, não por falta de acontecimentos ou escolhas, mas por escolhas – que levavam a acontecimentos – fáceis. Ela sempre escolheu não por um sonho, mas pelo que se apresenta primeiro, pelo que se apresenta sem dificuldades. E agora Rebeca percebia que seu mundo, este mundo de escolhas fáceis e de existência morna, estava prestes a acabar. Por outro lado, ela até preferia que o mundo explodisse verdadeiramente, e que não deixasse vestígios de nada, afinal, ela mesma, Rebeca Monteiro já estava prestes a deixar de existir, e não ficaria nenhuma lembrança sua. 

O tempo passava, e o fatídico dia se aproximava. O apito final soou e Rebeca |