A cada dia que passa vejo lembranças sumirem como uma
fogueira que se apaga depois de arder a noite inteira. O tempo caminha e
esquece-se de mim, e eu esqueço que ele corre, esqueço que ele passa apressado
por nós. E eu vou passando sem sorte pelas pessoas.
Deixo e sinto saudades.
- Tempo?! Como frear-te?
- ...
- Não, tu passas, me consomes, mas sempre estás por perto. E
os outros?
- Os outros se foram comigo. Os outros se foram com as tuas
lembranças.
Já não me lembro de muitas das risadas que dei, das lágrimas
que deixei cair e do cansaço que muitas vezes me paralisou; não lembro dos
conselhos que ouvi, das conversas banais na escola, das confissões. Não lembro
dos rostos lisos, da pele jovem cheia de espinhas, das rugas dos meus avós. Não
lembro da língua frouxa, dos meus erros, da canção preferida em 1996, ou 1999.
Não lembro como fiquei assim, instável, esquecida, volúvel...
Não lembro das feições dos almoços de domingo. Não lembro
das broncas, não lembro dos cheiros, não lembro de dias perfeitos.
Lembro somente do chão de terra, da mangueira e do
pé-de-goiaba no quintal, do sonho mal planejado de uma casa na árvore. Do
galinheiro, da horta e do bolo de lama; dos aniversários dos cachorros. Lembro
da bicicleta vermelha debaixo da árvore, do pé-de-amora, de Bradock doente, do
raio que levou Pingo, do pneu feito balanço e das fogueiras de São Pedro.
Lembro da varanda, e da rede onde brincava, do barulho da bomba d’água, do
vizinho entregando frutas pelo muro.
Lembro da cocada, do melado e dos biscoitos de milho
disputados na escola. Lembro do cheiro de cigarro na camisa, da corrida para
pegar o ônibus, do rosto vermelho por causa do vinho, do vento que levou o
telhado. Lembro de um segundo atrás o que parece ter sido ontem. Lembro do que
parece ter sido dito há séculos. E isso tudo parece que foi muito e que foi há
muito tempo, e às vezes parece que eu nem estava lá.