Enquanto não penso, ou não
posso entender as sensações que me ocorrem para escrevê-las aqui, reproduzo o que Virginia Woolf soube dizer sobre mim melhor do que eu mesma poderia
fazer.
" - A verdade é que
preciso do estímulo de outras pessoas. Sozinho diante do fogo apagado,
inclino-me a ver as partes fracas de minhas histórias. O verdadeiro romancista,
o ser humano perfeitamente simples, poderia continuar imaginando
indefinidamente. Não integrarias as coisas numa só síntese como eu. Não teria
essa sensação devastadora de cinzas frias numa grelha apagada. Uma cortina
cerra meus olhos. Tudo se torna impenetrável. Cesso de inventar.”
“- Quero lembrar. De modo
geral, foi um dia bom. A gota que se forma no telhado da alma a cada noite é
agora redonda e multicolorida. Houve a manhã, ótima; houve a tarde com seu
passeio. Gosto de paisagens com torres sobre campos cinzentos. Gosto de olhar
por entre os ombros das pessoas. As coisas não pararam de entrar em minha
cabeça. Sentia-me imaginoso e sutil. [...] Agora, contudo, quero fazer a mim
mesmo a indagação final, sentado diante desse fogo acinzentado, com seus
promontórios nus de carvão negro: qual dessas pessoas sou eu? Dependo sempre do
ambiente. Quando digo a mim mesmo: ‘Bernard’ – quem aparece? Um homem fiel,
sardônico, desiludido, embora não amargo. Um homem sem idade ou posição social.
Eu apenas. Agora, é ele quem pega o
atiçador e remexe as cinzas de modo a caírem como chuva através das grades. ‘Deus’,
diz a si mesmo, observando as cinzas caindo, ‘que sujeira!’. Depois,
acrescenta, lúgubre, mas com consolo: ‘A sra. Moffat virá limpar tudo’. Imagino-me
repetindo essa frase muitas vezes a mim mesmo, enquanto sigo a matraquear e a
fazer estrépito pela estrada da vida, batendo ora de um ora do outro lado da
carruagem. ‘Ah, sim, sra. Moffat virá limpar tudo’. E agora, para a cama."
Virginia Woolf, As Ondas. Tradução: Lya Luft. Editora Novo
Século.