segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Enquanto isso, as ondas...


Enquanto não penso, ou não posso entender as sensações que me ocorrem para escrevê-las aqui, reproduzo o que Virginia Woolf soube dizer sobre mim melhor do que eu mesma poderia fazer.



" - A verdade é que preciso do estímulo de outras pessoas. Sozinho diante do fogo apagado, inclino-me a ver as partes fracas de minhas histórias. O verdadeiro romancista, o ser humano perfeitamente simples, poderia continuar imaginando indefinidamente. Não integrarias as coisas numa só síntese como eu. Não teria essa sensação devastadora de cinzas frias numa grelha apagada. Uma cortina cerra meus olhos. Tudo se torna impenetrável. Cesso de inventar.”

“- Quero lembrar. De modo geral, foi um dia bom. A gota que se forma no telhado da alma a cada noite é agora redonda e multicolorida. Houve a manhã, ótima; houve a tarde com seu passeio. Gosto de paisagens com torres sobre campos cinzentos. Gosto de olhar por entre os ombros das pessoas. As coisas não pararam de entrar em minha cabeça. Sentia-me imaginoso e sutil. [...] Agora, contudo, quero fazer a mim mesmo a indagação final, sentado diante desse fogo acinzentado, com seus promontórios nus de carvão negro: qual dessas pessoas sou eu? Dependo sempre do ambiente. Quando digo a mim mesmo: ‘Bernard’ – quem aparece? Um homem fiel, sardônico, desiludido, embora não amargo. Um homem sem idade ou posição social. Eu apenas. Agora, é ele quem pega o atiçador e remexe as cinzas de modo a caírem como chuva através das grades. ‘Deus’, diz a si mesmo, observando as cinzas caindo, ‘que sujeira!’. Depois, acrescenta, lúgubre, mas com consolo: ‘A sra. Moffat virá limpar tudo’. Imagino-me repetindo essa frase muitas vezes a mim mesmo, enquanto sigo a matraquear e a fazer estrépito pela estrada da vida, batendo ora de um ora do outro lado da carruagem. ‘Ah, sim, sra. Moffat virá limpar tudo’. E agora, para a cama."


Virginia Woolf, As Ondas. Tradução: Lya Luft. Editora Novo Século.